Seremos mesmo descendentes dos macacos?!
Rezo pelos muitos milhares de mortos que a presente guerra entre a Rússia e a Ucrânia tem somado. Valas e valas como cemitérios improvisados, testemunho cruel de infinda maldade; ruas pejadas de corpos definhados, espelho, a céu aberto, da ferocidade humana; caves e bunkers com corpos apodrecidos, a gritar ao mundo as baixezas a que alguns conseguem chegar; mortandades a eito e sem critério, sem ética e sem pudor, documentário abjeto da ferocidade (des)humana.
Como é possível?! Em que mundo estamos?! Como conseguimos chegar até aqui?! Que temos vindo a cultivar?! Que valores temos semeado?! O que preenche o coração e a mente de alguns?!
Quero também rezar pelas famílias desfeitas, tantas, os maridos e pais em torno das armas, as mães a tentarem escapar com os seus filhos, tudo isso regado a muita lágrima, muita dor, muito coração partido, muita incerteza, muita precariedade, muito trago a injustiça, muita revolta pela malvadez de tiranos e perseguidores beligerantes.
Como é possível a morte de tantas crianças?! Como entender os ataques a escolas e infantários?! Como secar as lágrimas dos que têm que acenar em despedida ao pai que fica, quando o resto da família tem de debandar?! Como limpar da cabeça das crianças (e até dos adultos) o troar dos estrondos, os horrores da guerra, o som das sirenes, a brutalidade dos grandes?! Como explicar-lhes que, em Jesus, os russos são irmãos dos ucranianos, valendo também a inversa?!
Milhões de deportados, como há muito não se via. A existência reduzida a passos cansados, na precariedade mais absoluta. A vida agora numa saca, numa pequena mala, num nada, porque em nada tudo se transformou. Anos e anos de suor, de investimento, de canseiras, e agora?! – Tudo são buracos, estilhaços, vidros partidos, tijolos esfacelados, prédios em ruína, ruínas sem prédios. Falta a água, o gás, a luz (elétrica e até a do dia)…Nem sequer os hospitais resistem. Pior: falta a alegria de viver, o ânimo, a vontade de continuar com dignidade a caminhada da vida. Tudo é desespero, raiva (mais ou menos contida), sentimento negativo, vontade de vingança, desejo de morte.
Os ditadores são terríveis. Calcam, tornam negra a vida de todos, espezinham, insuflam-se no seu ego, transformam tudo em terra queimada. São uma maldição para a humanidade. Valha-nos, ao menos, que são mortais. E aí, de nada lhes valem as contas bancárias, os palácios, as vaidades, as prepotências, os poderios. Chegará a igualdade, naquela hora incerta a que ninguém foge.
Imaginem agora que, por cima de todos os sofrimentos e desgraças a que têm sido submetidos, por cima das inauditas crueldades a que têm sido sujeitos por um abusivo e prepotente invasor, os ucranianos ainda levam com impropérios de xenófobos, neonazis, fomentadores de guerras, instigadores da rebelião, fascistas?!
Isto será possível?! Alguém será capaz de semelhante desfaçatez e injustiça?!
Não resisto. Tenho que voltar a perguntar: Em que mundo estamos?! O que preenche o coração e a mente de alguns?!
Sinto-me a dar razão aos macacos que rejeitam liminarmente a teoria segundo a qual os homens descendem deles. Não! – asseveram. E as razões estão à vista: os macacos defendem as fêmeas e nunca deixam os bebés famintos, nem nunca arruínam a vida deles; nunca vetam o acesso aos coqueiros, permitindo que todos se alimentem; não saem à noite para roubar ou para tirar a vida a outros macacos; não derrubam sem dó tudo o que encontram; não chegam fogo aos arredores e às matas; não projetam sujidade para o ar…Em suma – concluem eles: de certeza que os humanos não são descendentes dos macacos!
Felizmente há sempre um outro lado: o de Zelensky, ao lado do povo, lutando com dignidade pelo seu país, tentando encontrar recursos e ajudas, sensibilizando a comunidade internacional, não abandonando nunca o barco, denunciando todas as atrocidades; o de tantos e tantos países que se têm mostrado solidários e generosos com a Ucrânia; o de tantas e tantas associações humanitárias que têm prestado o auxílio possível às vítimas da guerra; o de tantas e tantas pessoas generosas, em tempo, bens partilhados, acolhimento, préstimos vários.
Mas há ainda dados que recebi e quero publicitar: “Mais de 6 000 sacerdotes e religiosas católicas ficaram na Ucrânia para dar abrigo, comida, curar feridos, sustentar espiritualmente e administrar sacramentos. […]. Milhares [de pessoas] foram refugiar-se nos terrenos dos seminários de duas cidades; a Igreja acolhe-os e alimenta-os, dá-lhes um lugar para dormir e lavar-se, e apoio espiritual. […] Mais de 1 000 conventos e casas religiosas (924 na Polónia e 98 na Ucrânia) ajudam refugiados e deslocados pela guerra”…
Claro que tudo isso não foi notícia. Continua a ser verdade quanto escrevia Jose Luis Martin Descalzo: uma árvore que cai faz muito mais barulho que milhares de árvores que crescem no silêncio.
Mas continuemos a crescer, a ajudar, a acolher, a partilhar e – isso todos podemos fazer – a rezar pela paz. Que os homens sejam melhores que os macacos… Que a Mãe do céu transforme em carne os corações de pedra; em paz, as situações de guerra; em bondade, o egoísmo e a prepotência; em fraternidade, ódios, violências, desejos de vingança; em vida serena e próspera, o que agora é destruição e caos.
Rainha da paz, rogai por nós! Mãe de bondade, valei-nos! Senhora do Socorro, lançai sobre nós o vosso manto protetor!
Cónego José Paulo Leite de Abreu, Presidente da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro
Seremos mesmo descendentes dos macacos?!
Rezo pelos muitos milhares de mortos que a presente guerra entre a Rússia e a Ucrânia tem somado. Valas e valas como cemitérios improvisados, testemunho cruel de infinda maldade; ruas pejadas de corpos definhados, espelho, a céu aberto, da ferocidade humana; caves e bunkers com corpos apodrecidos, a gritar ao mundo as baixezas a que alguns conseguem chegar; mortandades a eito e sem critério, sem ética e sem pudor, documentário abjeto da ferocidade (des)humana.
Como é possível?! Em que mundo estamos?! Como conseguimos chegar até aqui?! Que temos vindo a cultivar?! Que valores temos semeado?! O que preenche o coração e a mente de alguns?!
Quero também rezar pelas famílias desfeitas, tantas, os maridos e pais em torno das armas, as mães a tentarem escapar com os seus filhos, tudo isso regado a muita lágrima, muita dor, muito coração partido, muita incerteza, muita precariedade, muito trago a injustiça, muita revolta pela malvadez de tiranos e perseguidores beligerantes.
Como é possível a morte de tantas crianças?! Como entender os ataques a escolas e infantários?! Como secar as lágrimas dos que têm que acenar em despedida ao pai que fica, quando o resto da família tem de debandar?! Como limpar da cabeça das crianças (e até dos adultos) o troar dos estrondos, os horrores da guerra, o som das sirenes, a brutalidade dos grandes?! Como explicar-lhes que, em Jesus, os russos são irmãos dos ucranianos, valendo também a inversa?!
Milhões de deportados, como há muito não se via. A existência reduzida a passos cansados, na precariedade mais absoluta. A vida agora numa saca, numa pequena mala, num nada, porque em nada tudo se transformou. Anos e anos de suor, de investimento, de canseiras, e agora?! – Tudo são buracos, estilhaços, vidros partidos, tijolos esfacelados, prédios em ruína, ruínas sem prédios. Falta a água, o gás, a luz (elétrica e até a do dia)…Nem sequer os hospitais resistem. Pior: falta a alegria de viver, o ânimo, a vontade de continuar com dignidade a caminhada da vida. Tudo é desespero, raiva (mais ou menos contida), sentimento negativo, vontade de vingança, desejo de morte.
Os ditadores são terríveis. Calcam, tornam negra a vida de todos, espezinham, insuflam-se no seu ego, transformam tudo em terra queimada. São uma maldição para a humanidade. Valha-nos, ao menos, que são mortais. E aí, de nada lhes valem as contas bancárias, os palácios, as vaidades, as prepotências, os poderios. Chegará a igualdade, naquela hora incerta a que ninguém foge.
Imaginem agora que, por cima de todos os sofrimentos e desgraças a que têm sido submetidos, por cima das inauditas crueldades a que têm sido sujeitos por um abusivo e prepotente invasor, os ucranianos ainda levam com impropérios de xenófobos, neonazis, fomentadores de guerras, instigadores da rebelião, fascistas?!
Isto será possível?! Alguém será capaz de semelhante desfaçatez e injustiça?!
Não resisto. Tenho que voltar a perguntar: Em que mundo estamos?! O que preenche o coração e a mente de alguns?!
Sinto-me a dar razão aos macacos que rejeitam liminarmente a teoria segundo a qual os homens descendem deles. Não! – asseveram. E as razões estão à vista: os macacos defendem as fêmeas e nunca deixam os bebés famintos, nem nunca arruínam a vida deles; nunca vetam o acesso aos coqueiros, permitindo que todos se alimentem; não saem à noite para roubar ou para tirar a vida a outros macacos; não derrubam sem dó tudo o que encontram; não chegam fogo aos arredores e às matas; não projetam sujidade para o ar…Em suma – concluem eles: de certeza que os humanos não são descendentes dos macacos!
Felizmente há sempre um outro lado: o de Zelensky, ao lado do povo, lutando com dignidade pelo seu país, tentando encontrar recursos e ajudas, sensibilizando a comunidade internacional, não abandonando nunca o barco, denunciando todas as atrocidades; o de tantos e tantos países que se têm mostrado solidários e generosos com a Ucrânia; o de tantas e tantas associações humanitárias que têm prestado o auxílio possível às vítimas da guerra; o de tantas e tantas pessoas generosas, em tempo, bens partilhados, acolhimento, préstimos vários.
Mas há ainda dados que recebi e quero publicitar: “Mais de 6 000 sacerdotes e religiosas católicas ficaram na Ucrânia para dar abrigo, comida, curar feridos, sustentar espiritualmente e administrar sacramentos. […]. Milhares [de pessoas] foram refugiar-se nos terrenos dos seminários de duas cidades; a Igreja acolhe-os e alimenta-os, dá-lhes um lugar para dormir e lavar-se, e apoio espiritual. […] Mais de 1 000 conventos e casas religiosas (924 na Polónia e 98 na Ucrânia) ajudam refugiados e deslocados pela guerra”…
Claro que tudo isso não foi notícia. Continua a ser verdade quanto escrevia Jose Luis Martin Descalzo: uma árvore que cai faz muito mais barulho que milhares de árvores que crescem no silêncio.
Mas continuemos a crescer, a ajudar, a acolher, a partilhar e – isso todos podemos fazer – a rezar pela paz. Que os homens sejam melhores que os macacos… Que a Mãe do céu transforme em carne os corações de pedra; em paz, as situações de guerra; em bondade, o egoísmo e a prepotência; em fraternidade, ódios, violências, desejos de vingança; em vida serena e próspera, o que agora é destruição e caos.
Rainha da paz, rogai por nós! Mãe de bondade, valei-nos! Senhora do Socorro, lançai sobre nós o vosso manto protetor!
Cónego José Paulo Leite de Abreu, Presidente da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro