Um cão que se chamava antónio!…
Alguns amigos meus andam com os lábios virados para as botas, cabisbaixos que mete dó, cabeça a fumegar de tanto pensamento sobre o futuro, imaginando que um dia, um dos partidos da nossa praça pode vir a governar o país.
Até aqui eles ainda brincavam com a anedota do casal que tinha quatro filhos: a Teté, a Fifi, o Tó e o Necas. Por coincidência, esse mesmo casal tinha um cão que se chamava António.
Também os ouvia contar a anedota do missionário que caminhava pela selva, meditabundo e sereno. Eis senão quando lhe aparece um leão. Nada de pensar em abatê-lo, que isso vai contra o sentir de um bom humano. Rezou então: “ó Senhor, dá sentimentos cristãos a este leão”. Quase não acabava de rezar. O leão levantou a pata direita da sua dianteira, benzeu-se e rezou: abençoai, Senhor, o alimento que vou tomar. E zás…
Tudo triste: os que gostam da tauromaquia, e de cuidar dos cavalos, e do revigoramento dos touros, temem o porvir. Os caçadores, já têm vergonha de apresentar a arma; os pescadores andam a pôr a cana de pesca atrás da porta, como se fosse uma vassoura. E outros dizem que a coisa está mesmo sombria: gostam tanto do arroz de cabidela, mas começam a pensar que, com sorte, só vão poder comer os grãos com feijão ou com alguma tronchuda; gostam dum coelhinho, mas daqui a pouco nem com o ovo da páscoa dentro de um papel lustroso prateado; aí que bem lhes sabia o cabritinho ali pelos Aleluias, mas a coisa está a virar para a salada com cebola; sempre espreitam uma oportunidade para ir Bairrada, que aqueles leitõezinhos são de se lhes meter o dente, mas vão ter que se contentar com as batatas fritas; e tudo isto para já não falar no Natal, o bacalhau substituído por uma comida de grilo (chamam-lhe alface), ou por uns grelinhos. E para animar a festa, lá vamos à nossa infância (não àquela parte em que se falava da cadeia alimentar, da sequência normal de predadores, da alimentação equilibrada entre carne e peixe…), mas àquela em que se canta: “Tenho grelinhos, tenho grelinhos, tenho grelinhos no meu quintal”.
Outro dia o Manuel – ainda tenho amigos com nome de gente – disse-me que estava com medo de um dia chegar ao restaurante e pedir a ementa. Óculos no sítio (há ementas que são para ver bem com os óculos; e também há idades em que as ementas já não se enxergam sem os óculos), conseguirá apelas ler: brócolos com espinafres; arroz de grelos com ervilhas; milho moído com pipocas; pepino com tomate e cereais…
Bem tento consolá-los. Tento fazer-lhes perceber que os ratos vão finalmente poder circular pela casa sem serem atacados com veneno, ou corridos à paulada; que os piolhos e as lêndeas vão poder patinar à vontade na cabeça de todos, com momentos de ginástica artística onde encontrarem piso mais lustroso e desimpedido; que os javalis podem fazer companhia aos atletas nas corridas por Espinho ou Sobreposta; que as cobras têm posturas humildes e até rastejantes; que os lobos têm uma musicalidade graciosa quando uivam…
Enfim, tantas e tão boas razões para o endeusamento dos animais, a tratar com o carinho que se não devota aos humanos, rodeados da atenção que o vizinho, o colega de trabalho, ou o pai que está no lar não conhecem, protegidos nos seus direitos (nada de os matar antes do tempo, nada de abortos, nada de eutanásia…), a cumular de toda a solicitude e carinho.
Qualquer dia, por este andar, ainda vamos ter de pedir que nos tratem como cães. Teremos então quem nos defenda a vida, quem cuide sempre de nós, quem nos proporcione vestuário e alimento, quem zele pela nossa saúde, quem impeça o nosso abate prematuro, quem nos leve a passear, quem não prescinda da nossa companhia e, com um bocado de sorte, até quem nos leve ao colo.
Triste sociedade esta, em que a pirâmide dos valores aparece invertida. Nada tenho contra os animais. E defendo que devem ser bem tratados. Mas…na missão deles. No lugar que lhes cabe. E sem porem em causa os humanos.
Mas o que não aceito mesmo é a supremacia deles sobre os humanos. Não estou mesmo disposto a aceitar que o cão seja o único… a chamar-se António!…
P.S.: Espero que se algum cão ler esta crónica, esteja vacinado conta a raiva!
Cónego José Paulo Leite de Abreu, Presidente da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro
Um cão que se chamava antónio!…
Alguns amigos meus andam com os lábios virados para as botas, cabisbaixos que mete dó, cabeça a fumegar de tanto pensamento sobre o futuro, imaginando que um dia, um dos partidos da nossa praça pode vir a governar o país.
Até aqui eles ainda brincavam com a anedota do casal que tinha quatro filhos: a Teté, a Fifi, o Tó e o Necas. Por coincidência, esse mesmo casal tinha um cão que se chamava António.
Também os ouvia contar a anedota do missionário que caminhava pela selva, meditabundo e sereno. Eis senão quando lhe aparece um leão. Nada de pensar em abatê-lo, que isso vai contra o sentir de um bom humano. Rezou então: “ó Senhor, dá sentimentos cristãos a este leão”. Quase não acabava de rezar. O leão levantou a pata direita da sua dianteira, benzeu-se e rezou: abençoai, Senhor, o alimento que vou tomar. E zás…
Tudo triste: os que gostam da tauromaquia, e de cuidar dos cavalos, e do revigoramento dos touros, temem o porvir. Os caçadores, já têm vergonha de apresentar a arma; os pescadores andam a pôr a cana de pesca atrás da porta, como se fosse uma vassoura. E outros dizem que a coisa está mesmo sombria: gostam tanto do arroz de cabidela, mas começam a pensar que, com sorte, só vão poder comer os grãos com feijão ou com alguma tronchuda; gostam dum coelhinho, mas daqui a pouco nem com o ovo da páscoa dentro de um papel lustroso prateado; aí que bem lhes sabia o cabritinho ali pelos Aleluias, mas a coisa está a virar para a salada com cebola; sempre espreitam uma oportunidade para ir Bairrada, que aqueles leitõezinhos são de se lhes meter o dente, mas vão ter que se contentar com as batatas fritas; e tudo isto para já não falar no Natal, o bacalhau substituído por uma comida de grilo (chamam-lhe alface), ou por uns grelinhos. E para animar a festa, lá vamos à nossa infância (não àquela parte em que se falava da cadeia alimentar, da sequência normal de predadores, da alimentação equilibrada entre carne e peixe…), mas àquela em que se canta: “Tenho grelinhos, tenho grelinhos, tenho grelinhos no meu quintal”.
Outro dia o Manuel – ainda tenho amigos com nome de gente – disse-me que estava com medo de um dia chegar ao restaurante e pedir a ementa. Óculos no sítio (há ementas que são para ver bem com os óculos; e também há idades em que as ementas já não se enxergam sem os óculos), conseguirá apelas ler: brócolos com espinafres; arroz de grelos com ervilhas; milho moído com pipocas; pepino com tomate e cereais…
Bem tento consolá-los. Tento fazer-lhes perceber que os ratos vão finalmente poder circular pela casa sem serem atacados com veneno, ou corridos à paulada; que os piolhos e as lêndeas vão poder patinar à vontade na cabeça de todos, com momentos de ginástica artística onde encontrarem piso mais lustroso e desimpedido; que os javalis podem fazer companhia aos atletas nas corridas por Espinho ou Sobreposta; que as cobras têm posturas humildes e até rastejantes; que os lobos têm uma musicalidade graciosa quando uivam…
Enfim, tantas e tão boas razões para o endeusamento dos animais, a tratar com o carinho que se não devota aos humanos, rodeados da atenção que o vizinho, o colega de trabalho, ou o pai que está no lar não conhecem, protegidos nos seus direitos (nada de os matar antes do tempo, nada de abortos, nada de eutanásia…), a cumular de toda a solicitude e carinho.
Qualquer dia, por este andar, ainda vamos ter de pedir que nos tratem como cães. Teremos então quem nos defenda a vida, quem cuide sempre de nós, quem nos proporcione vestuário e alimento, quem zele pela nossa saúde, quem impeça o nosso abate prematuro, quem nos leve a passear, quem não prescinda da nossa companhia e, com um bocado de sorte, até quem nos leve ao colo.
Triste sociedade esta, em que a pirâmide dos valores aparece invertida. Nada tenho contra os animais. E defendo que devem ser bem tratados. Mas…na missão deles. No lugar que lhes cabe. E sem porem em causa os humanos.
Mas o que não aceito mesmo é a supremacia deles sobre os humanos. Não estou mesmo disposto a aceitar que o cão seja o único… a chamar-se António!…
P.S.: Espero que se algum cão ler esta crónica, esteja vacinado conta a raiva!
Cónego José Paulo Leite de Abreu, Presidente da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro