
Vaca não dá leite
Tornou-se famoso pelas suas conferências, proferidas não só por todo o Brasil, mas um pouco por todo o mundo, transformando a filosofia em algo apetecível e aguçando o engenho intelectual dos ouvintes.
Chama-se Mário Sérgio Cortella.
O título de umas das suas intervenções pensantes, filosóficas, era: “A vaca não dá leite”.
Curioso, não?!
Cortella contextualizou assim o tema: os meus filhos começaram a crescer e prometi-lhes que quando cada um deles completasse os doze anos de idade lhes explicaria (a cada um por sua vez, à medida que atingissem a fasquia anunciada) o segredo da vida.
Acicatados pela curiosidade, eles tentavam colher mais cedo segredo. Mas obriguei-os a esperar.
Então o André, o mais velho, no dia em que completava os doze anos, resolveu acordar o pai às 4 horas da manhã. E a pergunta inevitável lá surgiu: então, pai, qual é o segredo?
Cortella levantou-se, foi com o filho para a sala, sentaram-se ambos e o cofre abriu-se: “Vaca não dá leite. Você tem que tirar”. Explicitando: para que a vaca dê leite, você tem que levantar-se de madrugada, entrar no curral, amarrar a vaca, prender-lhe as pernas, entrar no meio da bosta, sentar num banquinho, amarrar o rabo da vaca para que ela não espalhe sujeira, segurar bem na teta dela e começar a ordenhar, seguindo a técnica correta. Sim, “vaca não dá leite. Você tem que tirar”.
Que bom seria se a lição por todos fosse aprendida.
Por exemplo, no campo da educação. Tiramos as pedrinhas todas, damos tudo sem compasso de espera, vendemo-nos a qualquer birrinha, superprotegemos, aguçamos até ao infinito o lápis dos diretos deixando escondido no estojo o grafite dos deveres. Todas as inconveniências se desculpam sem qualquer corretivo (meigo, mas determinado), tudo se faz em função dos pequenos soberanos, amnésia para a palavra “não”, as “balizas” relegadas para o futebol, insucessos escolares faturados invariavelmente na conta dos docentes, inadaptações e associabilidades sempre por culpa dos outros.
Valerá a pena aplicar-se a receita também aos casamentos: “vaca não dá leite. É preciso tirar”. É preciso cultivar, recomeçar, perdoar, conversar, saber esquecer, envolver-se, participar, colaborar, dar de si continuamente, limpar o coração todos os dias e enchê-lo de sangue novo, com o grupo sanguíneo do amor.
Vale também para a Igreja. Tanto se exige… Padres em quantidade e todos bons (mas nem falar lá em casa na hipótese de um filho ir para o seminário); igreja limpinha, espaços asseados, sacristão a rigor; disponibilidade total quanto preciso de algum serviço… Mas partilhar, ajudar, inscrever-se, colaborar (até nas despesas), frequentar os sacramentos, isso nã…. Queremos o leite da vaca, mas nada de levantar cedo ou de sujeitar-se ao mau cheiro do curral ou à bosta das vacas…
E que dizer dos que na sociedade procuram vantagens, direitos e muitos direitos, mas nunca nenhum emprego lhes serve, ou podendo trabalhar arranjam modo de caçar o leite sem ter que sentar no banquinho, manhã cedo, para a ordenha?! E por aí caminham anos a fio, mesmo sabendo do peso que provocam nos impostos que outros pagam.
Enfim, os exemplos poderiam continuar.
Mãe, que eu nunca me aproveite de ninguém. Torna-me diligente. Que ninguém me roube os meus direitos, mas que eu não me furte aos meus deveres. Que me disponha sempre a partir a casca, na hora de querer comer a noz.
Ajuda-me a não ser peso, inconveniente, burlão, preguiçoso, sanguessuga.
A bem da sociedade! A bem de todos!
Cónego José Paulo Leite de Abreu, Presidente da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro
Vaca não dá leite
Tornou-se famoso pelas suas conferências, proferidas não só por todo o Brasil, mas um pouco por todo o mundo, transformando a filosofia em algo apetecível e aguçando o engenho intelectual dos ouvintes.
Chama-se Mário Sérgio Cortella.
O título de umas das suas intervenções pensantes, filosóficas, era: “A vaca não dá leite”.
Curioso, não?!
Cortella contextualizou assim o tema: os meus filhos começaram a crescer e prometi-lhes que quando cada um deles completasse os doze anos de idade lhes explicaria (a cada um por sua vez, à medida que atingissem a fasquia anunciada) o segredo da vida.
Acicatados pela curiosidade, eles tentavam colher mais cedo segredo. Mas obriguei-os a esperar.
Então o André, o mais velho, no dia em que completava os doze anos, resolveu acordar o pai às 4 horas da manhã. E a pergunta inevitável lá surgiu: então, pai, qual é o segredo?
Cortella levantou-se, foi com o filho para a sala, sentaram-se ambos e o cofre abriu-se: “Vaca não dá leite. Você tem que tirar”. Explicitando: para que a vaca dê leite, você tem que levantar-se de madrugada, entrar no curral, amarrar a vaca, prender-lhe as pernas, entrar no meio da bosta, sentar num banquinho, amarrar o rabo da vaca para que ela não espalhe sujeira, segurar bem na teta dela e começar a ordenhar, seguindo a técnica correta. Sim, “vaca não dá leite. Você tem que tirar”.
Que bom seria se a lição por todos fosse aprendida.
Por exemplo, no campo da educação. Tiramos as pedrinhas todas, damos tudo sem compasso de espera, vendemo-nos a qualquer birrinha, superprotegemos, aguçamos até ao infinito o lápis dos diretos deixando escondido no estojo o grafite dos deveres. Todas as inconveniências se desculpam sem qualquer corretivo (meigo, mas determinado), tudo se faz em função dos pequenos soberanos, amnésia para a palavra “não”, as “balizas” relegadas para o futebol, insucessos escolares faturados invariavelmente na conta dos docentes, inadaptações e associabilidades sempre por culpa dos outros.
Valerá a pena aplicar-se a receita também aos casamentos: “vaca não dá leite. É preciso tirar”. É preciso cultivar, recomeçar, perdoar, conversar, saber esquecer, envolver-se, participar, colaborar, dar de si continuamente, limpar o coração todos os dias e enchê-lo de sangue novo, com o grupo sanguíneo do amor.
Vale também para a Igreja. Tanto se exige… Padres em quantidade e todos bons (mas nem falar lá em casa na hipótese de um filho ir para o seminário); igreja limpinha, espaços asseados, sacristão a rigor; disponibilidade total quanto preciso de algum serviço… Mas partilhar, ajudar, inscrever-se, colaborar (até nas despesas), frequentar os sacramentos, isso nã…. Queremos o leite da vaca, mas nada de levantar cedo ou de sujeitar-se ao mau cheiro do curral ou à bosta das vacas…
E que dizer dos que na sociedade procuram vantagens, direitos e muitos direitos, mas nunca nenhum emprego lhes serve, ou podendo trabalhar arranjam modo de caçar o leite sem ter que sentar no banquinho, manhã cedo, para a ordenha?! E por aí caminham anos a fio, mesmo sabendo do peso que provocam nos impostos que outros pagam.
Enfim, os exemplos poderiam continuar.
Mãe, que eu nunca me aproveite de ninguém. Torna-me diligente. Que ninguém me roube os meus direitos, mas que eu não me furte aos meus deveres. Que me disponha sempre a partir a casca, na hora de querer comer a noz.
Ajuda-me a não ser peso, inconveniente, burlão, preguiçoso, sanguessuga.
A bem da sociedade! A bem de todos!
Cónego José Paulo Leite de Abreu, Presidente da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro