
Não têm quem cuide delas
A notícia atira-nos para o Japão, mas certamente poderia situar-nos noutros países, onde o fenómeno espreita. A viagem termina nas cadeias, preenchidas, não com criminosos, mas com gente idosa, senhoras, concretamente.
E porquê esta nova população prisional? – Porque muitas senhoras se cansaram de estar sozinhas, ou porque não conseguiam fazer face aos custos de vida, ou porque até já se encontravam deprimidas.
Na maioria dos casos, são responsabilizadas por furtos. Esse é o delito mais comum. Não extremamente grave, mas suficiente para facultar o almejado asilo.
A cadeia proporciona o que de básico se necessita para uma subsistência condigna: alimento, aquecimento, banho, companhia, medicação e outros cuidados de saúde, teto e colchão.
Muitas reclusas não querem abandonar a cadeia, mesmo depois da pena cumprida. Mostram-se até dispostas a pagar uma pequena mensalidade (que de muita verba não dispõem) para lá poderem permanecer até ao fim das suas vidas.
Acresce que, em muitos casos, não têm ninguém à espera, abertas que sejam as portas da reclusão. A família não está lá fora. Os amigos também não. Oportunidades de vida com dignidade, nem tão pouco.
Também se fala de reincidentes: postas fora das grades, algumas senhoras voltam a prevaricar, a fim de serem reconduzidas aos cubículos prisionais de onde se viram forçadas a sair, por pena já cumprida.
Neste estranho fenómeno que estamos a ressaltar, tudo se conjuga: o frio e a fome, o envelhecimento e a solidão, a indiferença e a depressão, a tristeza e o abandono, a humanidade descartada e a insensibilidade comum, a já não utilidade e a valeta.
Se na atualidade as coisas assim se mostram, projeções para o futuro, com tanto isolamento nos quartos e diante do computador, com tanto egoísmo, egocentrismo, insensibilidade, envelhecimento da população, acréscimo exponencial de filhos únicos… o futuro, dizíamos, não se pinta risonho…
Felizmente entre nós este fenómeno é mitigado pelas instituições de que dispomos e que o contrariam. Refiro-me, sobretudo, às Instituições de Solidariedade Social, na maioria dos casos ligadas às paroquias. Para elas, para quantos nelas labutam, aqui deixo uma palavra de subido louvor, de vivo agradecimento.
Sei que – como acertadamente escrevia José Luís Martin Descalzo, uma árvore que cai faz mais barulho que milhares de árvores que no silêncio crescem. Tanto estardalhaço com o mal que a Igreja pratica. Mas isso não tira o enorme, incomensurável, perene e silencioso bem que a mesma Igreja realiza nessas casas mais bonitas que as grades, mais humanas que as algemas, mais arejadas que as trancadas à liberdade.
Obrigado, muito obrigado a todos os que, com generosidade, abnegação, às vezes heroísmo, tornam diferente da nipónica a realidade portuguesa. Obrigado pelos que semeiam presença no meio de tantas ausências. Obrigado a todos os que colocam coração onde tudo já mirrou. Obrigado a todos os que ainda dão sentido à vida daqueles que já não constam na lista dos recursos humanos de uma empresa de vanguarda.
Por contraste à solidão, ao abandono, à tristeza, ouso relembrar um episódio bíblico: sabendo das dificuldades por que passava sua prima Isabel, grávida e de avançada idade, Maria pôs-se a caminho, dirigiu-se à pressa para a montanha, rumo a uma cidade da Judeia. Foi ao encontro da prima, com ela rejubilou, em tudo ajudou, com ela ficou por três meses, ou seja, durante todo o tempo em que precisava de auxílio.
Por alguma (e tantas razões) conhecemos a nossa Mãe do Céu como Imaculada, tota pulchra, perfeição absoluta, sempre a imitar!
Cón. José Paulo Leite de Abreu
Presidente da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro
Não têm quem cuide delas
A notícia atira-nos para o Japão, mas certamente poderia situar-nos noutros países, onde o fenómeno espreita. A viagem termina nas cadeias, preenchidas, não com criminosos, mas com gente idosa, senhoras, concretamente.
E porquê esta nova população prisional? – Porque muitas senhoras se cansaram de estar sozinhas, ou porque não conseguiam fazer face aos custos de vida, ou porque até já se encontravam deprimidas.
Na maioria dos casos, são responsabilizadas por furtos. Esse é o delito mais comum. Não extremamente grave, mas suficiente para facultar o almejado asilo.
A cadeia proporciona o que de básico se necessita para uma subsistência condigna: alimento, aquecimento, banho, companhia, medicação e outros cuidados de saúde, teto e colchão.
Muitas reclusas não querem abandonar a cadeia, mesmo depois da pena cumprida. Mostram-se até dispostas a pagar uma pequena mensalidade (que de muita verba não dispõem) para lá poderem permanecer até ao fim das suas vidas.
Acresce que, em muitos casos, não têm ninguém à espera, abertas que sejam as portas da reclusão. A família não está lá fora. Os amigos também não. Oportunidades de vida com dignidade, nem tão pouco.
Também se fala de reincidentes: postas fora das grades, algumas senhoras voltam a prevaricar, a fim de serem reconduzidas aos cubículos prisionais de onde se viram forçadas a sair, por pena já cumprida.
Neste estranho fenómeno que estamos a ressaltar, tudo se conjuga: o frio e a fome, o envelhecimento e a solidão, a indiferença e a depressão, a tristeza e o abandono, a humanidade descartada e a insensibilidade comum, a já não utilidade e a valeta.
Se na atualidade as coisas assim se mostram, projeções para o futuro, com tanto isolamento nos quartos e diante do computador, com tanto egoísmo, egocentrismo, insensibilidade, envelhecimento da população, acréscimo exponencial de filhos únicos… o futuro, dizíamos, não se pinta risonho…
Felizmente entre nós este fenómeno é mitigado pelas instituições de que dispomos e que o contrariam. Refiro-me, sobretudo, às Instituições de Solidariedade Social, na maioria dos casos ligadas às paroquias. Para elas, para quantos nelas labutam, aqui deixo uma palavra de subido louvor, de vivo agradecimento.
Sei que – como acertadamente escrevia José Luís Martin Descalzo, uma árvore que cai faz mais barulho que milhares de árvores que no silêncio crescem. Tanto estardalhaço com o mal que a Igreja pratica. Mas isso não tira o enorme, incomensurável, perene e silencioso bem que a mesma Igreja realiza nessas casas mais bonitas que as grades, mais humanas que as algemas, mais arejadas que as trancadas à liberdade.
Obrigado, muito obrigado a todos os que, com generosidade, abnegação, às vezes heroísmo, tornam diferente da nipónica a realidade portuguesa. Obrigado pelos que semeiam presença no meio de tantas ausências. Obrigado a todos os que colocam coração onde tudo já mirrou. Obrigado a todos os que ainda dão sentido à vida daqueles que já não constam na lista dos recursos humanos de uma empresa de vanguarda.
Por contraste à solidão, ao abandono, à tristeza, ouso relembrar um episódio bíblico: sabendo das dificuldades por que passava sua prima Isabel, grávida e de avançada idade, Maria pôs-se a caminho, dirigiu-se à pressa para a montanha, rumo a uma cidade da Judeia. Foi ao encontro da prima, com ela rejubilou, em tudo ajudou, com ela ficou por três meses, ou seja, durante todo o tempo em que precisava de auxílio.
Por alguma (e tantas razões) conhecemos a nossa Mãe do Céu como Imaculada, tota pulchra, perfeição absoluta, sempre a imitar!
Cón. José Paulo Leite de Abreu
Presidente da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro